terça-feira, junho 30, 2009

Sobre a derrubada em Honduras e a história do Brasil

Vocês devem ter ao menos ouvido falar do que está acontecendo em Honduras. Caso não tenham, aqui vai um resumo: o então presidente hondurenho Manuel "Mal" Zelaya queria convocar nas próximas eleições gerais em 29 de novembro uma "quarta urna", que iria discutir a aprovação de uma nova Assembléia Constituinte, com reeleição (expressamente proibida na Constituição hondurenha) e etc. Ou seja: seguiria o mesmo modelo da Venezuela, Equador e Bolívia (não sei a Nicarágua... confere?).

Porém, ao contrário desses países, os outros poderes em Honduras parecem ser bem mais fortes, e estrilaram com essa iniciativa. Primeiro foi o Judiciário, depois parte do Legislativo (membros do partido do Zelaya incluso) e, principalmente, os militares. Zelaia destituíu o comandante do Exército local, Romeo Vásquez, a Suprema Corte hondurenha invalidou a demissão.

Nesse ponto está o busílis: o chefe do Executivo é o Comandante-em-Chefe da nação, e teoricamente pode demitir o comandante que lhe der na telha. A partir do momento em que o Judiciário mandou Zelaya reconduzir Vásquez ao cargo anteriormente ocupado e o presidente aceitou, não havia mais nada a ser feito.

Domingo haveria a "consulta sobre a consulta", mas veio a derrubada do poder. Agora vamos à questão semântica: foi uma derrubada ou foi um golpe? Eu acho que foi uma derrubada de poder (ainda - vai depender se haverá eleições em novembro). Senão vejamos todas as trocas "não tradicionais de poder" na América Latina nesse século:

Equador 2000 - Jamil Mahuad, devido à uma grave crise econômica em que acabou tendo que dolarizar a economia (engraçado que o Rafael Correa nem pensa em mexer nisso...) foi deposto por uma associação entre setores militares e indígenas que, depois de um curto triunvirato, passaram o pepino para o vice-presidente Gustavo Noboa

Argentina 2001
- Fernando de la Rua foi apeado do poder após protestos maciços em Buenos Aires devido à crise econômica. Quem assume é o presidente do Senado (se não me engano o vice-presidente do de la Rua tinha renunciado antes do corralito), Ramon Puerta, que renuncia logo em seguida. Nessas circunstâncias, a Assembléia Legislativa escolhe quem comandará a nação, que acabou sendo o Eduardo Duhalde, quem depois deixou o poder para o Kirchner em 2002.

Venezuela 2002 - A Venezuela estava em crise econômica (de novo) devido à baixa do petróleo. Houve protestos, que foram ficando mais violentos com o tempo, até que parte dos militares deu um golpe no Chávez. Em seu lugar, assumiu o presidente do equivalente à Federação do Comércio Venezuelana Pedro Carmona. Ficaria apenas 48h, pois a maior parte dos militares (e do povo também, vamos admitir) ficou com o Chávez, que acabou voltando.

Bolívia 2003 - Protestos contra um gasotudo que iria para o Chile (a Bolívia possui uma rivalidade histórica com o Chile, por ter perdito seu litoral na Guerra do Pacífico) atiçou protestos contra Gonzalo Sánchez de Lozada, que acabou renunciando em 2003. Assumiu o vice-presidente Carlos Mesa.

Haiti 2004 - Jean-Bertrand Aristide era tido como salvação da lavoura para o povo sofrido haitiano. Como sói acontecer com esses "salvadores", eles acabam é querendo a sua própria $alvação. Diferentes facções poderosas estavam por levar o país a uma guerra civil, tomando o poder cidades importantes e caminhando para Port-au-Prince. Aqui os fatos divergem: enquanto os EUA dizem que ele renunciou e foi auxiliado pelos norte-americanos a ir para o exílio, Aristide disse que foram os EUA quem o tiraram do poder. Mas isso é história morta, já que ele há muito não tinha mais condições de governar.

Equador 04/2005 - Lúcio Gutiérrez, que havia participado naquele triunvirato pós queda de Mahuad, acabou sendo eleito presidente em 2002. Ele era visto como um equivalente do Chávez no Equador, quem não se lembra? Porém, ficou apenas dois anos na presidência. Complicações políticas o fizeram aliar-se e anistiar ex-presidentes que haviam sido apeados do poder. Isso enfureceu a população que, após a "rebelião dos forajidos", fez com que ele perdesse a legitimidade do poder, sendo apeado pelo Congresso, que entregou o cargo ao vice Alfredo Palácio González.

Bolívia 06/2005 - A questão do gás natural continuava pegando na Bolívia, e Mesa tentou renunciar em março de 2005, mas o Congresso não aprovou a renúncia (isso que é sadismo, não?). Com isso, os protestos aumentaram até chegarem ao ponto de não-retorno em junho, com Mesa Renunciando e, aí sim, o Congresso aceitando. Em seu lugar entrou o presidente da Suprema Corte, Eduardo Rodriguez.

Se houve mais derrubadas e golpes nesse período, me avisem. Apesar das diferenças, reparem que quase todas as derrubadas seguem um padrão: o presidente já não possui condições políticas para governar e, ou é derrubado pelo povo ou por um setor específico da sociedade, sendo substituído de acordo com a sequência na sucessão ou, quando já não dá mais (caso da Argentina), com procedimentos presentes na Constituição.

O único caso que escapou a essa regra foi, curiosamente, a Venezuela. Ignoro a Constituição então vigente, mas não acredito que ela dizia que em caso de vacância na presidência o presidente da Federação do Comércio da Venezuela é quem deve assumir o cargo. Não vou com a cara do Chávez, mas aquilo sim é que foi golpe de estado (o sr. W. Bush fez uma das duas maiores besteiras de seu mandato reconhecendo imediatamente o governo de Carmona - a outra besteira foi a independência do Kosovo). Nos outros casos, os presidentes foram derrubados.

Em Honduras o presidente já não tinha mais condições políticas de manter o seu cargo. Já tinha o Judiciário, parte importante do Legislativo e parte importante do Executivo (militares) já não o sustentavam. E então ele caiu, sendo substituído pelo presidente do Congresso Roberto Micheletti (o vice-presidente, Elvin Santos, renunciou em dezembro de 2008 exatamente para poder candidatar-se à presidência neste ano)

O grande teste para Honduras virá agora. De hoje até novembro serão 5 longos meses. Em tese, dá pra levar (o Irã e a Coréia do Norte conseguem sobreviver em isolamento internacional há décadas, por que um paiseco como Honduras não conseguiria em menos de um semestre?) até as eleições.

Conseguindo, e havendo eleições normalmente, com a posse de outro presidente em 2010, Micheletti e Honduras conseguirá ferir de morte o modus operandi "bolivariano" e o país finalmente poderá ser chamado de civilizado, junto com o outro único país civilizado da região, a Costa Rica. Não conseguindo, cedendo às tentações do poder, Micheletti dará mais uma vez legitimidade ao discurso chavista sobre a "elite burguesa", e dará margem aos "zelaytas" de que eles não têm voz no país. Futuramente um Chavez da vida conseguirá o plebiscito e transformando o país numa autocracia..

Mas coloquei o Brasil no título por um motivo: todos vocês sabem das circunstâncias do golpe de 64, mas nem todos sabem que em 1965 haveria eleições presidenciais, e o JK era o favorito! Claro que isso não significaria que ele fizesse um bom governo, mas imaginem se, após tirarem o Jango do poder, os militares consentissem nas eleições em 65 e o ganhador assumisse normalmente? Talvez os militares não seriam vistos como golpistas... Ainda duvida? Então recuo mais um pouco: você acha que o marechal Lott foi golpista por derrubar Carlos Luz e conduzir Nereu Ramos à presidência em 1955?







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