domingo, fevereiro 03, 2008

Brasília vista de São Paulo (ou: Em casa fora dela)

Praticamente todos os principais cânones da sociologia brasileira (inclusive a trinca Freyre, Buarque e Holandae Prado Jr.) se especializaram em escrever sobre o Brasil no Brasil, mas acredito eu que só se interessaram depois de viver no estrangeiro (o Gilberto depois de passar pelos EUA, o Sérgio na Alemanha e o Caio na URSS). Então aqui vai um esboço do que seria um tratado ensaístico sobre Brasília, através de reminiscências ocorridas em São Paulo.

(...) Brasília e São Paulo são, ao mesmo tempo, mas não pelo mesmo motivo, a síntese do Brasil. Esta o é por ser a principal cidade de grande porte que possui um plano urbanístico totalmente caótico - na verdade nunca teve plano urbanístico de grande porte. Esse título deveria ser do Rio de Janeiro, mas o Pereira Passos, por razoes fito-econômicas (os navios estrangeiros não queriam mais aportar no Rio com medo da tripulação morrer de febre amarela e peste bubônca) implementou em boa parte da cidade um projeto urbanístico inspirado em Buenos Aires (daí a praça/estação Sáenz Peña). São Paulo representaria como assim dizer nossa face dionísica, que seria a predominante em nós. Já Brasília seria a síntese apolínea, representando a tentativa de se colocar uma ordem no bacanal. Mesmo os bairros mais pobres (mas não as invasões, verdadeiros enclaves dionísicos) possuem seu planejamento , e a devida formação de sopa de letrinhas.

E por que Brasília não é anômala ao Brasil? Porque ela é a encarnação do Estado. A imagem da Esplanada dos Ministérios, seus Setores de Autarquias, tudo isso representa a vontade dos brasileiros em se escorar no serviço público para gozar de estabilidade em sua vida útil. Estabilidade que a Av. Paulista não representa. Brasília também representa a idéia de "tábula rasa", de que só através da construção partindo do zero é que poderíamos voltar a ter chance de "entrarmos no primeiro mundo". Mas esse conceito de "tábula rasa" já é nosso fator de identidade latino-americano. É significativo que nossas cidades novas (Belo Horizonte, Goiânia, Brasília e Palmas) tenham surgido após grandes atribulações políticas (respectivamente: Proclamação da República, Revolução de 30, suicídio de Getúlio Vargas e retomada da democracia). É alvissareiro, aliás, que esse sentimento de "novo começo" tenha sido canalizado para a construção de cidades, e não na construção de novos regimes ou mesmo de um "homem novo"...

(...)

Talvez o problema da legitimidade de Brasília, ainda questionada quase 50 anos depois da fundação, tenha surgido pelo fato de ter sido concebida não pela mudança de regime, onde se esperava um futuro novo e radiante pela frente, mas após uma tragédia, onde a negação de nossa personalidade não foi completa.

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