terça-feira, julho 28, 2009

As cotas no escrutínio jurídico - A ladainha

Como vocês sabem (se não ficam sabendo agora), os Democratas entraram com uma ADIN no STF questionando o sistema de cotas raciais nas universidades públicas, inspirado no que vigorava sistema norte-americano até que a Suprema Corte de lá VETOU as cotas raciais. Me deparo no Terra em uma janelinha só com esse tema e com uma reportagem feita com o formulador desse sistema na UnB, o prof. José Jorge de Carvalho. Antes de comentar a ladainha dele, um pouco dos bastidores dessa história:

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No fim da década de 90 eu era calouro da UnB. Um belo dia andando pelo Minhocão, me deparo com um manifesto desse professor que, para o bem ou para o mal, pode ser considerado histórico: basicamente reclamava contra o conselho do Departamento de Antropologia por, em segunda instância ter mantido a reprovação de um aluno orientando dele no doutorado.

Seria a primeira reprovação da história do doutorado de Antropologia (que, ao lado do Museu Nacional da UFRJ, é o melhor do país segundo avaliação do próprio CAPES - também é uma das três pós-graduações em nível de excelência da UnB, junto com geologia e matemática) e, segundo Carvalho, a tolerância com seu aluno foi menor que o usual exatamente pelo aluno ser negro...

Não sei direito os detalhes, mas sei que a reprovação foi revertida na instância superior, e esse fato motivou o sr. Carvalho a ter o "çangue nos zóio" para militar pela implementação de um sistema de cotas na UnB, no que foi bem-sucedido.

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Agora sim vamos aos comentários da reportagem

Para o professor José Jorge de Carvalho, que junto com a professora Rita Lauro Segatto (ambos do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília) elaborou a proposta de política afirmativa, a ação do Democratas - que pede a suspensão do sistema de cotas na UnB - "é um refrito" do Manifesto dos 113 enviado ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, em 30 de abril do ano passado, e assinado por um "grupo pequeno que tem acesso à mídia". A ação, segundo ele, apresenta "argumentos frágeis".

Hum... o que é um "refrito?" Procurei no Houaiss e não achei. Mas vamos ao conteúdo: gostaria que o sr. Carvalho me demonstrasse pesquisas que indicassem que as pessoas que não concordam com as cotas são minoria. Eu achei um do Senado, em que apenas 2,7% são A FAVOR das cotas. Mas era pesquisa em site de internet, o que não é estatisticamente confiável. Googleando um pouco, encontrei essa feita em 2006 pelo Ibope a pedido da Federação Nacional das Escolas Particulares, onde 53% dos entrevistados se dizem a favor de cotas para estudantes de escola pública, o que é bastante diferente do que o sr. Carvalho defende, como vocês verão.

O antropólogo afirma que o processo de cotas é um dos mais revolucionários na universidade brasileira. "As universidades funcionaram durante 70 anos, de 1930 ao ano 2000, totalmente segregadas. Há poucos países no mundo que tem um universo tão racista quanto o nosso", avalia. "Não que exista lei para que os negros estejam fora, mas eles estão fora
da universidade . O racismo estrutural e o racismo institucional fazem que eles estejam fora."

Aqui vai uma grossa de uma MENTIRA! Se as universidades fossem segregadadoras, haveria alguma cláusula nos editais de seus respectivos vestibulares que restringiria o universo dos postulantes. Bom, na verdade existem duas: 1) o candidato deve ter o ensino médio completo; 2) o candidato deve estar quite com suas obrigações (comprovante de participação nas últimas eleições e, para os homens, certificado de alistamento militar).

Também há outra hipérbole da grossa. Quem fala que "poucos países são tão racistas como o Brasil" seguramente nunca pisou na Europa, que já teve inúmeras guerras em que se matava pela pessoa falar outra língua, ter outra religião, etc. Outro caso: a China atualmente. Essencialmente, o que foi o quebra-pau que houve em Xinjiang? Os uigures (mais próximos dos turcos que dos chineses) protestaram contra assassinato com motivos racistas que houve no sul da China. E o mundo descobriu que naquela província autônoma o governo da República Popular prioriza o acesso aos cargos públicos principalmente à etnia majoritária, a han.

Poderia falar dos conflitos tribais que vira e mexe explodem na África, do genocídio em Ruanda, da guerra que ocorre em Congo-Kinshasa... Gostaria muito que um antropólogo do quilate do sr. Carvalho argumentasse para os dois lados que "deve haver uma irmandade entre as mesmas pessoas de cor".

Por fim mais uma crítica: "racismo estrutural" vá lá, agora nunca irei concordar com qualquer "racismo institucional". Aliás, até concordo: quando passaram a ter "tribunais de avaliação de pureza de raças" para avaliar quem merecia ser cotista ou não, mas isso falo mais pra frente.

"Eles o partido Democratas e quem assinou o Manifesto dos 113 estão dizendo que 90 universidades onde há política afirmativa vão ter que jogar para fora todos os estudantes que entraram e não deixarão entrar nunca mais nenhum deles?", pergunta. "Eles estão querendo jogar na rua um contingente de mais de 20 mil estudantes", critica José Jorge de Carvalho afirmando que a ação no STF é uma tentativa de ganhar no "tapetão".

Aqui já estamos no terrorismo panfletário, uma tentativa de mobilizar os cotistas a pressionarem o STF. O sr. Carvalho com certeza sabe que, na hipótese do STF derrubar as cotas, os cotistas NÃO serão jogados na rua, pois existe um negócio no direito chamado "direito adquirido". Passou em um sistema que era legal até a nova decisão do "Pretório Excelso"? Então continua até o final.

"O universo acadêmico brasileiro está em uma luta de incluir os negros e os indígenas que estiveram excluídos sempre. Como eles não conseguem mais influenciar na decisão sobre o processo de inclusão, no fundo eles não querem negros na universidade, eles entraram com uma ação no judiciário", acusa o professor.

Só esse parágrafo daria o direito aos Democratas processar o sr. Carvalho por injúria. Não querer o regime de cotas é MUITO DIFERENTE de não querer negros e indígenas nas universidades. Além disso, o consenso mínimo no Senado está nas cotas para estudantes de escolas públicas, que beneficiaria a todos os que realmente não tem condições de pagar escolas/cursinhos particulares para entrar na universidade. O sr. Carvalho é a favor disso? Como vocês verão agora, não, e com um argumento bem estúpido.

Para o antropólogo, a crítica socioeconômica contra as cotas é falha, assim como o argumento de que a análise dos pedidos é subjetivo. "Se nós fizermos um recorte de renda as pessoas podem falsificar o comprovante de renda. Se fizermos um recorte por origem na escola pública as pessoas também podemos falsificar", aponta.

Ou seja: o branco pobre que se foda. Não seria isso um racismo também?
Mas falando sério: sim, existe essa possibilidade de falsificação mesmo (até na escola pública, embora não consiga imaginar como). Mas vem cá: o sr. Carvalho sem querer deu um argumento para as cotas sócioeconômicas. Fiscalizar eventuais fraudes nesse sistema seria muito mais FÁCIL, para não falar de poder se basear em critérios OBJETIVOS, quem tentasse burlar o sistema. Quanto ao sistema de cotas... como seria um eventual sistema não SUBJETIVO para avaliar quem não é negro? Só conseguiria se seguisse o critério norte-americano, onde vale até a ascendência em 3º grau (bisavós). Assim fosse eu poderia reivindicar cota como índio.

"Toda política pública tem uma margem de erro. A comissão que analisa os cotistas é uma comissão formada por pessoas da sociedade, do movimento negro, por professores e estudantes. Ela é tão idônea como qualquer outra comissão jamais feita no Brasil", defende José Jorge de Carvalho.

Tá aqui a prova do que eu disse no parágrafo anterior: agora o sr. Carvalho dá um argumento desfavorável ao seu próprio sistema. Gostaria que o sr. Carvalho me mostrasse como um comitê verificador de raças pode, mesmo que seja idôneo, trabalhar com critérios OBJETIVOS.

" Se for para Discutir a idoneidade dessa comissão tem que discutir a idoneidade de todas as comissões. Tem então que parar com o Bolsa Família para que não haja fraude no programa. A comissão existe para que haja responsabilidade na política", argumenta.

Obrigado, professor Carvalho, pelo Pikachu que você me deu para que eu vire um mestre Pokémon! por, na tentativa de se fazer uma comparação estúpida com o Bolsa Família, dar MAIS UM ARGUMENTO FAVORÁVEL ÀS COTAS SOCIOECONÔMICAS (e nem vou entrar no mérito deste). O que é o Bolsa-Família? É um programa destinado às famílias de baixa-renda. Quem quer se inscrever tem que comprovar que a família tem renda inferior a um patamar que não me lembro agora, quando passa a ganhar um dinheirinho extra.

Obviamente o programa é vitma de fraudes, como vira e mexe aparece nos jornais. Mas aí é que está: é FÁCIL comprovar as fraudes; e, uma vez comprovadas, é FÁCIL cassar o cadastro no programa; finalmente, e mais importante, uma vez cassadas as fraudes, é mais DIFÍCIL para quem perdeu o Bolsa Família refutar o ato do Estado (se alguém já viu alguma reportagem de pessoas que perderam injustamente o direito ao Bolsa Família me indiquem a reportagem). Moral da história: diferente das cotas raciais (que, aprovadas, podem causar uma enxurrada de ações contestatórias na Justiça), as cotas socioeconômicas também são melhores em termos ECONÔMICOS para o Estado.

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