sexta-feira, março 06, 2009

Sobre o aborto da menina de 9 anos

Todos vocês já devem saber: um padastro abusava costumeiramente da enteada dele no interior de Pernambuco, desde os seus (dela) 6 anos. Até que, aos 9, ela acaba engravidando (provavelmente os abusos devem ter estimulado de alguma maneira a biologia da menina). De gêmeos. Daí a mãe dela descobre que a barriga da menina não era coisa de lombriga (sério! infelizmente a realidade do Brasil profundo é pior do que vocês podem imaginar...) e colocaram o pedófilo, de 23 anos (bem envelhecido, diga-se) na cadeia, onde ele merecidamente virará a noivinha da prisão.

O Código Penal brasileiro, da década de 40, criminaliza o aborto, salvo em casos de estupro e de risco de vida para a mãe, onde é possível ser realizado até a 20ª semana de gestação. Salvaguardados por ambos os casos, o MP-PE entra com um pedido de autorização do aborto na justiça local, no que é prontamente atendido e a menina enfim retira os fetos.

Essa triste história poderia ter acabado aqui, com a menina tendo que realizar o tratamento psicológico de praxe. Mas eis que... o arcebispo de Olinda e Recife resolve excomungar a mãe, os médicos que realizaram o aborto e a ONG que apoiou a menina (não excomungou a menina porque ela é criança), o que deixou pelo menos metade do Brasil estupefata.

Primeiro vamos aos fatos: a Igreja Católica é contra TODO E QUALQUER TIPO DE ABORTO, seguindo assim o dogma que a vida é sagrada, haja o que houver. Partindo desse ponto de vista, João Paulo II canonizou uma italiana que preferiu morrer após uma gravidez de risco a abortar. Assim como ela está por trás do lobby que quer proibir o aborto em quaisquer circunstâncias (há um projeto sobre esse tema, do Exmo. ex-deputado Severino Cavalcanti), como foi aprovado recentemente na Nicarágua (e o Ortega - ex-líder dos Sandinistas - é do ramo do Chavez, hein?) e, muito provavelmente deve estar por trás da CPI do Aborto ainda em vigência na Câmara dos Deputados (obs: a CPI foi criada pelo Exmo. dep. Luiz Bassuma, petista com fortes ligações com a Igreja Católica, e que inclusive já organizou protestos veementes contra o atual ministro da saúde na época em que ele "queria discutir a descriminalização do aborto").

Minha opinião sobre isso? Bem, acho que o arcebispo fez uma bela duma besteira. Não digo isso nem pela legislação nacional, e nem pelo fato de que quem faz ou defende o aborto publicamente AUTOMATICAMENTE JÁ ESTÁ EXCOMUNGADO*, mas sob a ótica do direito canônico.

Vamos lá: partindo da posição pela inviolabilidade da vida, um homicídio é um crime, certo? Então quem mata alguém automaticamente estaria excomungado, correto? Ok, mas e se fosse no caso de legítima defesa? Claro que, de uma forma cristã, esse sujeito se fosse um cristão abnegado poderia morrer altruísticamente, mas tenho quase certeza que os cânones da Igreja perdoam quem tirou a vida de outrem apenas e na medida que isso era necessário para salvar a sua vida.

Outro caso: Suicídio é um pecado mortal, correto? Suicídas vão automaticamente para o inferno, não? Mas e aquelas pessoas que se jogaram do World Trade Center no 11 de setembro de 2001? Todas, racionalmente, sabiam que se alguém pula de uma altura daquelas cairá estraçalhado no chão. Um velho professor meu, católico praticante, aplicou o silogismo jesuíta na situação: "a pessoa que se joga de um prédio em chamas não cometeu suicídio, mas sim morreu fugindo das chamas".

Retomando o caso da menina, a gravidez dela era de altíssimo risco. Ela poderia levar a gestação até o final e, por milagre, ocorrer tudo bem; ou, o que é fatalmente mais provável, ela teria que fazer uma cesariana e um ou os dois bebês morrerem; ou ainda, ela poderia perder os bebes e perder a sua vida. Daí a mãe dela (já que a menina não tem capacidade cognitiva para saber quais os riscos que estava passando) preferiu ter a garantia de que ao menos uma vida seria salva, e os médicos foram apenas os executores da vontade da mãe. Talvez ela não achasse prudente que a filha fosse uma mártir anti-aborto, como é bastante provável que a menina de 11 anos grávida no RS será (espero que não).

Concluindo, acredito que há plenas condições para todos os excomungados recorram da decisão em tribunais canônicos.

* Informação retirada de um antigo artigo do Olavo de Carvalho contra o grupo pró-aborto "Católicas pelo Direito de Decidir". Falando no homi, li o seu livro "O Jardim das Aflições", e estou há tempos tentando escrever um "Livros lidos em 2009 - 1", mas o livro é tão abrangente e complexo (e ótimo!) que está complicado...

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