quarta-feira, abril 25, 2007

Sobre o acontecido no RIR 3

A História inclui em si um conflito de versões. Por exemplo, a Guerra do Paraguai. Quando era criança, eu aprendi a versão oficialista do Exército, que dizia que o Paraguai começou e apenas nos defendemos, sob o comando glorioso do Duque de Caxias. Na adolescência, aprendi que foi a Inglaterra quem incitou a guerra contra o Paraguai para evitar que este virasse uma potência econômica que pudesse competir com aquela, e que o Brasil promoveu um genocídio pelo qual deveria se envergonhar por vinte gerações. Já na universidade, aprendi que a Inglaterra não teve nenhuma culpa no cartório, que o Paraguai era uma ditadura semi-totalitária, que o Brasil não queria a guerra e que, se trucidamos os paraguaios, foi porque eles se recusaram a se render (feito Hitler em 45).

Mas esse post não é tão grandioso (ao menos dessa vez),
e vou apenas falar sobre o episódio mais marcante do Rock in Rio 3: a chuva de garrafas no Carlinhos Brown. Os filoemepebistas dizem que o que aconteceu foi um exemplo típico da juventude macaqueadora que só quer saber do que vem de fora. Já os roqueiros falamos que isso aconteceu porque a organização do RIR3 fez cagada na hora de escalar as bandas. A primeira versão é completamente estúpida, já a segunda não é totalmente verdadeira. Eu estava lá e vou explicar direito o motivo.

Janeiro de 2001, no Rio de Janeiro - O segundo dia do festival, o primeiro em que eu fui, foi tranquilo: eu levei a minha garrafa de água de 2l na mochila (estava fazendo um calor do cacete, obviamente) e entrei na Cidade do Rock, sem maiores problemas, no comecinho da tarde. Dividi a minha água até que ela acabou. Daí fui tentar beber cerveja. "500ml a R$3! Oba!", pensei. Mas a cerveja era Schincariol! E estava quente! Mal aguentei beber o copo... Depois fui comprar uma água. R$ 2 - ou era R$4? Minha memória tá falhando - 250ml (aquela garrafa pichulinha). Também da Schincariol. Achei um absurdo, já que em qualquer mercado você consegue comprar 2l por menos de R$1,50. Mas a sede bateu mais alto e comprei, pensando na lei de Murphy ("os melhores festivais são patrocinados pelas piores cervejas"). Voltei pra Copacabana.

No dia seguinte, já ressabiado com os preços absurdos dentro da Cidade do Rock, fui comprar uma garrafa de 2l. Seria o dia do Guns (e tb o do Carlinhos Brown...). Cheguei tranquilamente na revista, até que um dos seguranças, negro*, chegou falando:

-Joga a água fora!

-O quê!?

-A água! Joga a água fora!

-Mas eu entrei com água ontem e ninguém falou nada...

-Mas não pode entrar com água! Joga a garrafa fora!

-Mas eu não há nada no ingresso que fale que não pode entrar com água...

-Mas não pode! Joga a água fora!

Eu tentei dar uma forçada na entrada, ele impediu com o corpo e falou "Com água não entra!". Daí saí puto pensando no que fazer, até que tive uma idéia: a entrada na Cidade do Rock estava sendo feita no esquema "estouro de boiada": os organizadores das filas liberavam umas 50 pessoas pro baculejo, davam um tempo pra que os seguranças fizessem a revista e depois liberavam mais umas 50. Vendo isso, eu resolvi dar um tempo até que liberassem a outra boiada, escolher outro segurança pra fazer a minha revista e ser o primeiro, para que o segurança tivesse um pouco de pressa na hora de ver o que eu tinha na mochila e não fizesse a revista direito. Se acontecesse isso de novo, aí eu teria que abdicar da minha água tão preciosa. Aconteceu isso e fui pro outro segurança, branco*. Quando me preparei pra mostrar a minha mochila, ele falou:

-Tu tá com arma aí?

-Hã!?

-Arma! Tu tá com um revolver aí dentro?

-Não!

-Então pode entrar! Vai! Vai!

E entrei, jurando ódio e boicote eterno à Schincariol (só uma vez tomei água dela desavisadamente -era de graça- e só tomei Nova Schin em duas ocasiões em Florianópolis no ano passado, mas o boicote continua - se bem que comprei umas cervejas Baden Baden, que a Schin comprou, pra experimentar... :$). Depois saberia que foi o filho da puta do Medina resolveu tomar essa medida e, após protestos, resolveu permitir a entrada de 250ml de água. Que bom que o irmão dele, que era deputado decano, não foi reeleito em 2002. Praga minha pega...

Mas voltemos ao Carlinhos Brown. Como visto acima, a partir daquele dia passou a vigorar uma proibição da entrada de água. Estava um típico dia de verão no Rio, um calor acima dos 35°. Chegou então a hora do show do CB... A platéia estava entre a indiferença a um show que não a agradava (festival tem disso, muitos shows horríveis para ver um show bom) e alguns mais extremados tacando coisa no palco. Isso sempre há em festivais, e estava num nível tolerável, até que...

...O CB manda que o bombeiro que estava jogando água com mangueira na platéia parar com aquilo porque "estava dispersando o público dele". Aí fudeu. O povo que estava até então apático (menos eu, bovino que sou, que fiquei apenas sentado de costas pro palco boicotando o show) ficou furioso e o resultado todos já conhecem. Na verdade, o que aconteceu é que a proibição da água deixou o humor de todos ali mais carregado, e essa cagada do CB foi o catalizador de tudo. O CB foi o primeiro mártir dos conflitos por água que ainda virão nesse século. Bem-feito.

*O problema da situação não foi pelo segurança ser negro, mas sim por ele ser minoria étnica, e nessas horas o oprimido resolve ir à forra. É coisa de psicologia social isso, procurem por um tal de Philip Zimbardo. Com o branco não houve problema porque não ele não carregava consigo essa discriminação. Se vocês acham que estou sendo mal e racista, então da próxima vez que entrarem nos EUA vejam se uma mulher ou um negro (ou um latino, ou qualquer minoria étnica/grupo discriminado na sociedade) está na alfândega, e se preparem para um rigor maior que a média.

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