quarta-feira, abril 18, 2007

Eu, na muda de pele? Nem tanto

Antes do último post sobre os meses em que minha vida for pro buraco (a história não acabou), vou falar sobre algo que acontece comigo. Desde que saí da universidade, e desde a minha mochilagem no Centro-Leste europeu em 2005, eu tenho olhado (muito) criticamente para as coisas em que eu acreditava e que eu fazia lá. Não tem sobrado muita coisa em pé, admito.

Nessa crise de identidade, eu estou passando a flertar com o outro lado do canto ideológico, pro que é conhecido como "direita". Não que eu tenha sido um petista-marxista fanático na UnB, porque não fui (sou brasileiríssimo quanto à questão do "homem cordial", aquele para quem as amizades - e inimizades, principalmente - pessoais estão acima das afinidades e/ou antipatias ideológicas), mas durante toda a vida fui um esquerdista. Votei no Ciro em 98, no Lula em 02 (e nadei na piscina do Congresso na posse dele), anulei no ano passado e vou passar a anular sempre. Mas eu tinha sim simpatias pelo PT, por ele ser a principal força anti-Roriz daqui (sou um homem "cordial", volto a insistir...).

Mas voltemos ao flerte. Vou confessar que estou sempre lendo os artigos do Olavo de Carvalho, o que é tido como extrema-direita. Discordo de quase tudo que ele diz (sou pró-aborto, tolerante ao casamento gay, à eutanásia, duvido dessa história do "governo mundial pela ONU" - e que mesmo, se eu estiver enganado, não vai mudar grande coisa na vida do homem comum, vide o Guerra nas Estrelas 3 - que a teoria da evolução pode ter sido criada por racistas eugenistas, mas ainda sim é a que menos foge da realidade, etc.), mas estou repensando seriamente outros conceitos dele, como o da imprensa ser dominada por esquerdistas (ele diz "comunistas", mas acho há nuances), que os conservadores no Brasil são muitos mas quase não têm voz e daquela coisa do intelectual gramsciano estar infiltrado no estado. Também estou lendo o Nelson Ascher, que escreve na Folha às segundas (escreveu um artigo muito bom anteontem, sobre as relações entre a Sérvia e a Croácia), o João Pereira Coutinho, português que escreve também na Folha, mas às quartas-feiras e o Reinaldo Azevedo, articulista da Veja e blogueiro de longa data.

Daí estou me perguntando: "será que estou virando de 'direita'? Que estou seguindo a tendência natural da vida, de ser revolucionário na juventude e conservador na velhice?". Hoje, por dois motivos, eu descobri que não (ou que 'ainda não', só o tempo dirá. Primeiro por causa de um artigo do Coutinho, que vai nesse post. Depois por causa de um post do Reinaldo, que vai no posterior. Coutinho falou sobre o imbroglio dos soldados ingleses capturados pelo Irã, e que por tudo o acontecido chegou à conclusão de que a Civilização Ocidental perdeu a batalha porque fraquejou contra o Oriente. Vamos ao artigo, em itálico, com minhas respostas depois

Dez dias que mudaram o mundo

Noções de honra, coragem ou mero profissionalismo deixaram de fazer sentido para o Exército britânico


A HISTÓRIA não avança com grandes solavancos. Melhor prestar atenção aos pequenos. São pormenores, ridículos pormenores que o tempo acaba por registrar e consagrar para memória futura. Aconteceu recentemente, quando 15 marinheiros britânicos foram capturados e libertados pelo Irã. Alguém notou nos dez dias que mudaram o mundo?
Eu notei. Comecei por notar a forma como os soldados foram capturados em teatro de guerra. Tempos houve em que a Royal Navy era conhecida por sua ferocidade em combate. A grande diferença, dessa vez, é que ninguém disparou um tiro perante a presença inimiga. A culpa não é inteiramente dos britânicos. De acordo com as regras de combate que as Nações Unidas exigem dos homens ao seu serviço e que a Royal Navy parece aceitar pacificamente, não é possível disparar primeiro sem o inimigo disparar primeiro. Uma situação de impasse que acaba por paralisar os soldados e que é uma vantagem para seus inimigos.

Lição nº 1: é possível capturar tropas ocidentais sem luta porque elas estão proibidas de lutar.
Acredito na ferocidade dos ingleses. É só ver como eles jogam futebol. É só ver como deram 7 tiros num brasileiro por engano e estão tratando isso como questão sanitária. Mas a minha crítica não é essa. O Sr. Coutinho não pensou na hipótese dos fuzileiros britânicos terem sido pegos de surpresa, afinal, estavam em águas iraquianas e o normal seria não acontecer nada. Se estivesse naquela situação do "se você vier eu vou atirar!" lógico que os ingless atirariam. Tendo apenas o Golfo Pérsico como testemunha eles poderiam muito bem mentir falando que os iranianos é que começaram. Mas posso estar enganado, e o Sr. Coutinho, que acompanha os periódicos ingleses deve estar mais inteirado na situação do que eu. Por isso continuemos.

Mas o circo continuou com os marinheiros em cativeiro. Tempos houve em que os britânicos eram conhecidos por sua resistência perante o interrogatório. Confrontados com as perguntas do inimigo, os soldados de Sua Majestade limitavam-se ao conhecido "name, rank and number". E calavam a boca. Em dez dias, os marinheiros não apenas disseram o nome, a patente e o número como se multiplicaram em confissões, estados de alma e denúncias do "imperialismo ocidental" para consumo interno e externo.

Lição nº 2: depois de capturadas, as tropas ocidentais colaboram sem limites com os seus captores.
Bom, os portugueses, assim como os norte-americanos, têm uma profunda admiração pelos ingleses. Me lembro que quando pegaram aqueles portugueses que mataram outros 6 em Fortaleza, o mandante choramingou algo como "Isso vai aparecer nos jornais de Lisboa, isso vai aparecer nos jornais de Londres... Ai de mim!". Na época pré-Euro, se bem me lembro, os noticiários da RTP mostravam sempre a cotação do dólar e da libra esterlina. Mas voltando ao assunto, o que o Sr. Coutinho viu como sinal de fraqueza dos ingleses, eu vi como uma das maiores mostras do senso de humor inglês, e conseqüentemente de sua força. Em vez de serem torturados até confessarem que estavam em águas 'iranianas', eles resolveram aceitar, mas fizeram isso de uma forma tal para que a situação se tornasse ridícula. Os soldados foram é espertos, isso sim!

Finalmente, o regresso a casa. Tempos houve em que os soldados britânicos relatavam as suas experiências de guerra quando essas experiências eram motivo de orgulho. Winston Churchill, nos clássicos "The Malakand Field Force" e "The River War", deliciou as platéias com relatos de bravura militar na Índia e no Sudão. Cem anos depois das campanhas de Churchill, o Ministério da Defesa começou por autorizar que os 15 marinheiros vendessem as suas histórias aos jornais e à TV, independentemente dessas histórias serem manchadas pela desonra e pela covardia. E dois dos marinheiros, antes do Ministério mudar de idéia, não hesitaram em fazer da rendição um negócio e uma virtude.

Lição nº 3: noções de honra, coragem ou mero profissionalismo deixaram de fazer sentido para o Exército britânico.

Noves fora essa questão do sensacionalismo inglês, que eu também sou antipático, e da desonra (em termos militares), discordo da covardia pelo que disse acima.

Moral da história? Não é uma originalidade afirmar que o episódio foi uma humilhação e uma derrota para a Grã-Bretanha. Como foi uma humilhação e uma derrota para a União Européia (incapaz de pressionar economicamente o regime iraniano, com quem mantém relações comerciais importantes) e para as Nações Unidas (incapazes de deplorar o ato). Mas o episódio revelou mais: revelou que os homens que defendem o Ocidente são desprovidos dos mais basilares sentimentos de coragem, honra ou lealdade. A queda de Roma começou assim.

Em termos de honra militar foi sim uma derrota pra Inglaterra. A UE tem o problema de ser uma nulidade militar (salvo a Inglaterra e a França). Agora, a ONU condenou o ato sim. E para esta, não foi uma derrota, já que ela nem chegou a interferir. Outra coisa, o principal derrotado foi o Irã, que perdeu algum nasgo de simpatia que alguns ocidentais poderiam ter para com ele - o mundo árabe provavelmente deve ter comemorado, mas isso não irá mudar o futuro do Irã. Ah, e uma questão prática: a queda de Roma começou com a invasão de território romano pelos bárbaros. Nesse caso, o Irã pode até ter invadido área sob jurisdição ocidental, mas não manteve...

Nenhum comentário: