Antes do último post sobre os meses em que minha vida for pro buraco (a história não acabou), vou falar sobre algo que acontece comigo. Desde que saí da universidade, e desde a minha mochilagem no Centro-Leste europeu em 2005, eu tenho olhado (muito) criticamente para as coisas em que eu acreditava e que eu fazia lá. Não tem sobrado muita coisa em pé, admito.
Nessa crise de identidade, eu estou passando a flertar com o outro lado do canto ideológico, pro que é conhecido como "direita". Não que eu tenha sido um petista-marxista fanático na UnB, porque não fui (sou brasileiríssimo quanto à questão do "homem cordial", aquele para quem as amizades - e inimizades, principalmente - pessoais estão acima das afinidades e/ou antipatias ideológicas), mas durante toda a vida fui um esquerdista. Votei no Ciro em 98, no Lula em 02 (e nadei na piscina do Congresso na posse dele), anulei no ano passado e vou passar a anular sempre. Mas eu tinha sim simpatias pelo PT, por ele ser a principal força anti-Roriz daqui (sou um homem "cordial", volto a insistir...).
Mas voltemos ao flerte. Vou confessar que estou sempre lendo os artigos do Olavo de Carvalho, o que é tido como extrema-direita. Discordo de quase tudo que ele diz (sou pró-aborto, tolerante ao casamento gay, à eutanásia, duvido dessa história do "governo mundial pela ONU" - e que mesmo, se eu estiver enganado, não vai mudar grande coisa na vida do homem comum, vide o Guerra nas Estrelas 3 - que a teoria da evolução pode ter sido criada por racistas eugenistas, mas ainda sim é a que menos foge da realidade, etc.), mas estou repensando seriamente outros conceitos dele, como o da imprensa ser dominada por esquerdistas (ele diz "comunistas", mas acho há nuances), que os conservadores no Brasil são muitos mas quase não têm voz e daquela coisa do intelectual gramsciano estar infiltrado no estado. Também estou lendo o Nelson Ascher, que escreve na Folha às segundas (escreveu um artigo muito bom anteontem, sobre as relações entre a Sérvia e a Croácia), o João Pereira Coutinho, português que escreve também na Folha, mas às quartas-feiras e o Reinaldo Azevedo, articulista da Veja e blogueiro de longa data.
Daí estou me perguntando: "será que estou virando de 'direita'? Que estou seguindo a tendência natural da vida, de ser revolucionário na juventude e conservador na velhice?". Hoje, por dois motivos, eu descobri que não (ou que 'ainda não', só o tempo dirá. Primeiro por causa de um artigo do Coutinho, que vai nesse post. Depois por causa de um post do Reinaldo, que vai no posterior. Coutinho falou sobre o imbroglio dos soldados ingleses capturados pelo Irã, e que por tudo o acontecido chegou à conclusão de que a Civilização Ocidental perdeu a batalha porque fraquejou contra o Oriente. Vamos ao artigo, em itálico, com minhas respostas depois
Dez dias que mudaram o mundo
Noções de honra, coragem ou mero profissionalismo deixaram de fazer sentido para o Exército britânico
A HISTÓRIA não avança com grandes solavancos. Melhor prestar atenção aos pequenos. São pormenores, ridículos pormenores que o tempo acaba por registrar e consagrar para memória futura. Aconteceu recentemente, quando 15 marinheiros britânicos foram capturados e libertados pelo Irã. Alguém notou nos dez dias que mudaram o mundo?
Eu notei. Comecei por notar a forma como os soldados foram capturados em teatro de guerra. Tempos houve em que a Royal Navy era conhecida por sua ferocidade em combate. A grande diferença, dessa vez, é que ninguém disparou um tiro perante a presença inimiga. A culpa não é inteiramente dos britânicos. De acordo com as regras de combate que as Nações Unidas exigem dos homens ao seu serviço e que a Royal Navy parece aceitar pacificamente, não é possível disparar primeiro sem o inimigo disparar primeiro. Uma situação de impasse que acaba por paralisar os soldados e que é uma vantagem para seus inimigos.
Lição nº 1: é possível capturar tropas ocidentais sem luta porque elas estão proibidas de lutar.
Acredito na ferocidade dos ingleses. É só ver como eles jogam futebol. É só ver como deram 7 tiros num brasileiro por engano e estão tratando isso como questão sanitária. Mas a minha crítica não é essa. O Sr. Coutinho não pensou na hipótese dos fuzileiros britânicos terem sido pegos de surpresa, afinal, estavam em águas iraquianas e o normal seria não acontecer nada. Se estivesse naquela situação do "se você vier eu vou atirar!" lógico que os ingless atirariam. Tendo apenas o Golfo Pérsico como testemunha eles poderiam muito bem mentir falando que os iranianos é que começaram. Mas posso estar enganado, e o Sr. Coutinho, que acompanha os periódicos ingleses deve estar mais inteirado na situação do que eu. Por isso continuemos.
Mas o circo continuou com os marinheiros em cativeiro. Tempos houve em que os britânicos eram conhecidos por sua resistência perante o interrogatório. Confrontados com as perguntas do inimigo, os soldados de Sua Majestade limitavam-se ao conhecido "name, rank and number". E calavam a boca. Em dez dias, os marinheiros não apenas disseram o nome, a patente e o número como se multiplicaram em confissões, estados de alma e denúncias do "imperialismo ocidental" para consumo interno e externo.
Lição nº 2: depois de capturadas, as tropas ocidentais colaboram sem limites com os seus captores.
Bom, os portugueses, assim como os norte-americanos, têm uma profunda admiração pelos ingleses. Me lembro que quando pegaram aqueles portugueses que mataram outros 6 em Fortaleza, o mandante choramingou algo como "Isso vai aparecer nos jornais de Lisboa, isso vai aparecer nos jornais de Londres... Ai de mim!". Na época pré-Euro, se bem me lembro, os noticiários da RTP mostravam sempre a cotação do dólar e da libra esterlina. Mas voltando ao assunto, o que o Sr. Coutinho viu como sinal de fraqueza dos ingleses, eu vi como uma das maiores mostras do senso de humor inglês, e conseqüentemente de sua força. Em vez de serem torturados até confessarem que estavam em águas 'iranianas', eles resolveram aceitar, mas fizeram isso de uma forma tal para que a situação se tornasse ridícula. Os soldados foram é espertos, isso sim!
Finalmente, o regresso a casa. Tempos houve em que os soldados britânicos relatavam as suas experiências de guerra quando essas experiências eram motivo de orgulho. Winston Churchill, nos clássicos "The Malakand Field Force" e "The River War", deliciou as platéias com relatos de bravura militar na Índia e no Sudão. Cem anos depois das campanhas de Churchill, o Ministério da Defesa começou por autorizar que os 15 marinheiros vendessem as suas histórias aos jornais e à TV, independentemente dessas histórias serem manchadas pela desonra e pela covardia. E dois dos marinheiros, antes do Ministério mudar de idéia, não hesitaram em fazer da rendição um negócio e uma virtude.
Lição nº 3: noções de honra, coragem ou mero profissionalismo deixaram de fazer sentido para o Exército britânico.
Noves fora essa questão do sensacionalismo inglês, que eu também sou antipático, e da desonra (em termos militares), discordo da covardia pelo que disse acima.
Moral da história? Não é uma originalidade afirmar que o episódio foi uma humilhação e uma derrota para a Grã-Bretanha. Como foi uma humilhação e uma derrota para a União Européia (incapaz de pressionar economicamente o regime iraniano, com quem mantém relações comerciais importantes) e para as Nações Unidas (incapazes de deplorar o ato). Mas o episódio revelou mais: revelou que os homens que defendem o Ocidente são desprovidos dos mais basilares sentimentos de coragem, honra ou lealdade. A queda de Roma começou assim.
Em termos de honra militar foi sim uma derrota pra Inglaterra. A UE tem o problema de ser uma nulidade militar (salvo a Inglaterra e a França). Agora, a ONU condenou o ato sim. E para esta, não foi uma derrota, já que ela nem chegou a interferir. Outra coisa, o principal derrotado foi o Irã, que perdeu algum nasgo de simpatia que alguns ocidentais poderiam ter para com ele - o mundo árabe provavelmente deve ter comemorado, mas isso não irá mudar o futuro do Irã. Ah, e uma questão prática: a queda de Roma começou com a invasão de território romano pelos bárbaros. Nesse caso, o Irã pode até ter invadido área sob jurisdição ocidental, mas não manteve...
quarta-feira, abril 18, 2007
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