quarta-feira, agosto 29, 2018

Nota sobre as eleições presidenciais (6) - Sabatina do Bolsonaro. Ou: tirem as crianças da sala!

Não vou falar sobre o conteúdo da sabatina em si. Isso vocês podem encontrar pela internet.

Mas vou falar o seguinte: a campanha presidencial possui quatro momentos críticos: o primeiro debate (Bandeirantes) a sabatina da Globo, o início do horário eleitoral e o debate da Globo. O Bolsonaro se saiu bem no primeiro debate (mas nem tanto no segundo, sobretudo pela invertida da Marina) e se saiu MUITO bem na sabatina. O Bolsonaro não sabe se expressar bem e não tem uma boa retórica, mas o que houve ali foi uma verdadeira aula de heurística. O que é heurística? Digamos assim: a retórica é a arte de "saber falar". Isso é muito comum nos famosos "clube de debates" americanos (que infelizmente apenas estão começando a serem implementados aqui): apresenta-se um tema qualquer (por exemplo, aborto), um lado é escolhido para dar argumentos favoráveis, outro para argumentos contrários e cada um busca expô-los da forma mais lógica e racional possível, sem usar as malfadadas falácias lógicas. Querem ver um exemplo de debate retórico sério feito nesses moldes? Vejam o William Lane Craig x Cristopher Hitchings discutindo sobre a existência ou não de Deus.

Mas o que acontece: em tese, a retórica, do tipo persuasiva, é usada para uma plateia que: a) sinceramente não está convencida de algo; e principalmente b) que está sinceramente comprometida com a busca da verdade e da veracidade dos argumentos a serem utilizados. Isso, obviamente, NAO ACONTECE NA POLÍTICA (aliás, na ciência também, mas isso é outro assunto). Na política já entramos no cenário de luta com os nossos preconceitos e, por mais que o adversário eventualmente fale algo que seu candidato de preferência esteja objetivamente errado, você não só não irá dar o braço a torcer mas vai passar a acreditar que o errado é o certo. O mesmo acontece quando o seu candidato está certo e o seu adversário errado: os correligionários acharão a mesma coisa.

Em termos gerais o Bolsonaro sacou da manga várias manobras heurísticas que, se num debate retórico sério faria com que perdesse, na política fez com que ganhasse de goleada. Partiu para analogias pessoais com os debatedores (a questão do trabalho via CNPJ, o divórcio do Bonner, a comparação salarial do salário do Bonner com a Renata Vasconcelos - e a perda da compostura dela acentuou ainda mais a vitória... Não, espera aí, essa merece um parágrafo à parte).

Perguntado pela enésima vez sobre ter dito que não contrataria mulheres, e sobre como combateria a disparidade salarial de homens e mulheres (o que é uma falácia estatística - se fosse real a primeira providência dos patrões seria demitir todos os homens e contratar apenas mulheres, para economizar com a folha), ele disse que não cabe a um presidente combater isso, que a diferença salarial por sexo é proibida pela CLT e que cabe ao Ministério Público do Trabalho combater isso (os entrevistadores perderam uma oportunidade DE OURO de encurralar o Bolsonaro com uma declaração que ele fez na semana passada falando que o MPT era inútil - algo do tipo "mas deputado, você falou mal do MPT na semana passada, como pode estar falando bem agora?"), a Renata reforçou a pergunta e ele partiu para o ataque, fazendo especulações sobre o salário dela. Se ela tivesse começado a chorar o Bolsonaro teria perdido a campanha ali. Mas o tal do feminismo faz com que as mulheres tenham que se mostrar sempre fortes, e ela, visivelmente atarantada, resolveu partir para o sermão. Muito bonito, por sinal, mas digo uma coisa: quando você consegue desestabilizar emocionalmente o seu adversário isso significa que você GANHOU o debate. No mais, eu achava que era tão previsível que, se fizessem essa pergunta o Bolsonaro iria dar uma resposta daquelas que acho surpreendente que não tenham se preparado da mesma forma que se prepararam sobre a questão do Roberto Marinho - provavelmente já estavam com a resposta-padrão na mão para colocar no teleprompter do Bonner.

Outro momento crucial foi a questão da "homofobia". Noves fora a MENTIRA sobre os "assassinatos por homofobia" (melhor explicado pelo Felipe Moura Brasil), pela discussão bizantino-orwelliana sobre "homossexualismo x homossexualidade" e pelo "palavras machucam" soltado pela Renata Vasconcelos, a saída do Bolsonaro foi heurística pura. Em vez de responder à pecha de homofóbico falando que não, e as razões para tal, ele se concentrou no "Kit Gay", e conseguiu DESMONTAR os entrevistadores. Falo isso pelo seguinte: uma das regras do debate acordada pelos candidatos era não mostrar documentos. O Ciro tentou fazer isso com o seu programa de governo ontem e não conseguiu - aliás, o Ciro foi mal no debate, sobretudo porque o Bonner pegou ele na questão do Carlos Lupi (ex-dono de banca de revista que virou "parça" do Brizola). O Bolsonaro fez a mesma coisa, mas antes disso ele soltou o famigerado "pais, tirem as crianças da sala!". O Bonner deixou escapar um "não, não pode mostrar, tem crianças assistindo!", a câmera se afastou e o Bolsonaro acabou não mostrando. Mas o ponto é: 1) na prática o Bolsonaro quebrou as regras do debate; 2) ele, mesmo sem expor o livro, confirmou o ponto dele (afinal, por que um livro infantil não pode ser mostrado na TV?); 3) conseguiu não responder à pergunta.

E em termos de resultado, o que aconteceu? O consenso é que o Bolsonaro ganhou de goleada. O pessoal antipático a ele está se agarrando na invertida da Renata Vasconcelos, mas meu palpite é que alguns indecisos (sobretudo os futuros viúvos de Lula - aliás, saiu um artigo inacreditavelmente bom da BBC Brasil sobre os lulistas eleitores do Bolsonaro que confirma o que eu disse: são eleitores do Lula não porque ele seja de esquerda ou que gostem do PT, mas sim porque gostam do Lula) vão tomar o partido dele depois de ontem... A depender do que acontecer com o principal afluente de eleitores do Bolsonaro, Alckmin, hoje, ele ganhará ainda mais votos. E a sangria pode aumentar ainda mais se o Bonner e a Renata Vasconcelos (uso o nome completo dela não por machismo, mas por habitualmente acrescentar o nome a sobrenomes mais comuns) apertarem a Marina sobre as contradições das posições evangélicas dela a determinados temas.

PS: Estamos terminando o segundo momento crucial da campanha e nem o Lula e nem o Haddad apareceram. O tempo está correndo contra o PT - isso se o TSE não demorar demais para julgar a candidatura do Lula e serem seu nome e foto a aparecer na urna nas eleições.

PS2: Perguntas pertinentes que poderiam ter sido feitas ao Bolsonaro, sem tentativas de lacrações:
- Candidato, o senhor é de um partido pequeno. Como que o senhor acredita que conseguirá formar alianças no Legislativo para conseguir governar caso eleito (essa mesma pergunta pode ser feita para a Marina)? 
- Candidato, como que o senhor pretende acabar com o déficit nas contas públicas e ainda investir em segurança, como o Sr. afirma que irá fazer? De onde que virá o dinheiro?
- Candidato, o Paulo Guedes afirmou que é possivel conseguir R$ 1 trilhão com a privatização de estatais e concessões de estradas. Como o Sr. convencerá os parlamentares e a sociedade que essa medida é benéfica? E como o Sr. lidará com as resistências que irá encontrar?
- Candidato, como o Sr. pretende lidar com a crise de refugiados venezuelanos?
- Candidato, o Sr. afirmou que irá obrigar os médicos do Mais Médicos a fazer o revalida. Como que, após essa medida, o senhor lidará com uma eventual diminuição drástica da quantidade de médicos?
- Candidato, o senhor disse que passará a focar mais no ensino básico que no superior? Como que o Sr. acha que as universidades públicas poderiam arcar com essa diminuição de verba?
- Como o Sr. pretende lidar com a questão da superlotação nos presídios?

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