sexta-feira, março 28, 2008

Um poema, uma música

Já disse umas 1000x aqui que não consigo penetrar no maravilhoso mundo da poesia, assim como no mundo do jazz. Não me perguntem por que um poema é bom ou é uma bosta. Mas arrisco uma definição: um poema é uma declamação de sentimentos dita de forma coerente, assim como um bom filme é uma história bem-contada. As métricas, redondilhas, etc. seriam apenas ferramentas com que um poeta deve usar com parcimônia, e quanto mais ele tiver domínio dessas, melhor ele é. Fazendo analogia com a pintura, lembro-me do Pablo Picasso. Ele pôde fazer os seus quadros cubistas porque tinha domínio absoluto das técnicas de pintura (anatomia, perspectiva, luz e sombra, decomposição de cores, etc.). Por isso o meu receio em relação aos artistas contemporâneos: eles têm condições de fazer algo à moda clássica? Já o jazz continua um mistério. Continuo apenas na Dixieland...

Mas voltemos. Seguem abaixo um poema e uma letra de música. O poema é o Poema em Linha Reta, de Álvaro de Campos (ops, Fernando Pessoa), e a música, Something in the Air, do David Bowie (ignoro se foi ele quem escreveu, saliento). De certa forma são temáticas semelhantes. O mote do poema é aquela sensação presente a todos nós com complexo de inferioridade, de que temos todos os defeitos do mundo enquanto todos à nossa volta parecem em paz consigo mesmos e fazendo sexo todos os dias. Bem, o Pessoa não toca nesse assunto, mas o Bowie sim. Quando vi "Amnésia" e essa música tocou no final corri para a internet baixar, porque a melodia é linda; e anteontem, quando fui procurar a letra, vi que ela fala mais ou menos o mesmo sentimento de inferioridade/superioridade do poema do português. Já o poema me foi rememorado quando vi o "Ora, porra!" citado pelo Olavo de Carvalho no último artigo dele. Pensava que o poeta mais boca-suja na língua portuguesa era o Gregório de Matos. Ou o Bocage. Mas o uso dos palavrões neste está perfeito, sem cair na barafunda do uso dos mesmos só para parecer polêmico e resultar em algo escatológico. Enfim, chega. Vamos aos dois:

Poesia em Linha Reta
"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.


E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...


Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,


Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?


Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?


Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza."


"Something In The Air"

Your coat and hat are gone
I really can't look at your little empty shelf
A ragged teddy bear
It feels like we never had a chance
Don't look me in the eye

We lay in each others arms
But the room is just an empty space
I guess we lived it out
Something in the air
We smiled too fast
then can't think of a thing to say

Lived with the best times
Left with the worst
I've danced with you too long
Nothing left to say

Let's take what we can
I know you hold your head up high
We've raced for the last time
A place of no return

And there's something in the air
Something in my eye
I've danced with you too long
Something in the air
Something in my eye

Abracadoo - I lose you
We can't avoid the clash
The big mistake
Now we're gona pay and pay
The sentence of our lives
Can't believe I'm asking you to go

We used what we could
To get the things we want
But we lost each other on the way
I guess you know I never wanted
anyone more than you

Lived all our best times
Left with the worst
I've danced with you to long
Say what you will

But there's something in the air
Raced for the last time
Well I know you hold your head up high
There's nothing we have to say
There's nothing in my eyes
But there's something in the air
Something in my eye
I've danced with you too long
There's something I have to say
There's something in the air
Something in my eye
I've danced with you too long


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