quarta-feira, junho 13, 2018

Apenas isso

Gostaria de contestar o dado sobre os 500 mil abortos/ano mencionado na reportagem "Por que Congresso e STF caminham para lados opostos na discussão sobre aborto" (https://www.bbc.com/portuguese/brasil-44458907). Considerando que:
- De acordo com os dados mais atuais, nasceram quase 2,8 milhões de brasileiros em 2016 (fonte: IBGE);
- De acordo com os dados mais atuais, 177 mil mulheres fizeram procedimento de curetagem pós-aborto no Brasil em 2017 (fonte: Ministério da Saúde - http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sih/cnv/qiuf.def);
- Que esse procedimento não só inclui o aborto clandestino, mas o aborto espontâneo e complicações pós-parto;
- Que esse número representa uma tendência de queda nos últimos anos, uma vez em 2013 foram 190 mil, em 2014 foram 187 mil, em 2015 foram 181 mil e em 2016 foram 174 mil (fonte: Ministério da Saúde);
- Que cerca de 20% das gestações até a 22ª semana resultam em aborto espontâneo;
500 mil é um número bastante questionável, mesmo considerando a quantidade abortos clandestinos bem-sucedidos.
Fazendo uma regra de três simples (2,8 milhões estão para 80% assim como x está para 100%, sendo x = 3,5 milhões de gestações no Brasil em 2016), isso significa que 700 mil mulheres sofreram aborto espontâneo no Brasil em 2016. Somados aos supostos 500 mil abortos clandestinos (que o que já não aparenta ser factível face à quantidade de abortos espontâneos), isso dariam 4 milhões de gestações no Brasil nesse mesmo ano. Ou seja, segundo os dados mencionados, isso significa que a cada 8 gestações uma teve como consequência um aborto clandestino.
Considerando o número total de abortos, espontâneos ou clandestinos, chega-se ao total de 1,2 milhão. O número de curetagens de 2016, de 174 mil, passa a ser algo extremamente baixo. A se observar essa proporção, dessas 174 mil curetagens 72,5 mil seriam para abortos clandestinos. Ou seja, apenas 14,8% dos abortos clandestinos resultariam em complicações que ocasionassem problemas de curetagens. Pela questão da clandestinidade, é uma proporção muito baixa para ser factível.
Por que vocês não apresentam outras fontes sobre a provável quantidade de abortos clandestinos/ano no Brasil? Para começar, pelo menos até metade da década falava-se em 1 milhão de abortos ilegais/ano no Brasil (cito como exemplo matéria do Estado de São Paulo de 2014 https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,de-1-milhao-de-abortos-ilegais-no-pais-33-viraram-casos-de-policia-em-2014,1610235). Esse número aparentemente cabalístico se repetiu na década passada (vide reportagem da própria BBC Brasil de 2007 https://www.bbc.com/portuguese/reporterbbc/story/2007/05/070530_abortodb.shtml). Ora, se os números mencionados pela imprensa reduziu-se de 1 milhão para 500 mil, ou isso significa que o Brasil progrediu de forma assustadora na educação sexual da população, que passou a adotar de forma mais proativa métodos contraceptivos, ou vocês estão simplesmente divulgando achismos favoráveis à militância de um só lado da questão. Como o aumento dos casos de HIV e de Sífilis no país indicam que a primeira hipótese é bastante improvável, fico com a segunda: vocês estão simplesmente sendo sim partidários e militando pela legalização do aborto no Brasil. 
PS: fico com a quantidade estimada, mais factual, da especialista em bioética Isabela Mantovani que, baseando-se na quantidade de curetagens realizadas no Brasil, estimou em 100 mil abortos clandestinos/ano, o mesmo quantitativo da Espanha, onde o aborto é legalizado e que possui uma população 5 vezes menor que a do Brasil. http://www.ebc.com.br/infantil/para-pais/2014/03/abortos-clandestinos-nao-passam-de-100-mil-por-ano-dizem-especialistas

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