sábado, março 20, 2010

Motivo anual para odiar a Veja - 2010

Cara, eu pensei que realmente a minha transformação para a direita já tinha se completado... Até que veio a Veja dessa semana e fala: "não, Lobo! ainda podemos ser mais direita que você!". O motivo, óbvio, é a reportagem de capa, sobre a associação do assassinato do Glauco ao uso do Daime.

Antes de tudo, vai um resumo da coisa: o tal do Cadu, filho de esquizofrênica, usuário de drogas e frequentador de uma seita de Santo Daime, matou o cartunista Glauco e seu filho Raoni porque fracassou com que eles reconhecessem que o irmão mais novo de Cadu era Jesus Cristo.

Vamos à seita do Santo Daime: o conceito de "seita" dá margem a diversas interpretações, mas a que eu normalmente entendo são duas: 1) religião que ainda não atingiu o mainstream (duvido muito que os romanos, por exemplo, consideravam o cristianismo como uma religião...); 2) organização religiosa com teologia bem rasteira e rituais digamos heterodoxos em relação à sociedade dominante que, às vezes, termina em tragédia devido (Jim Jones, Waco, uma lá de Uganda, etc.). Como o '1' só dá para concluir ex post facto, o Daime está na segunda categoria.

Dá para definir o Daime como uma seita ecumênica (influenciada principalmente pelo cristianismo, umbanda, espiritismo e crenças animistas) que faz uso do chá do Daime para que seus fiéis atinjam a iluminação espiritual, ou coisa que o vale. Em suma: uma coisa hippie new age que dá um barato. Há também o fato que o chá é ministrado em crianças e em bebês, o que é um absurdo (você daria uma aspirina para seu filho assim do nada? Se você não faria isso com uma droga quase inócua, imagina com o Daime?) e só contribui com argumentos para os detratores.

O Daime é uma droga alucinógena. As drogas são classificadas, de acordo com seus efeitos, em três categorias: eufóricas (ex: cocaína, crack, anfetaminas), depressivas (ex: heróina, maconha) e alucinógenas (ex: LSD, cogumelos alucinógenos, Daime). Você já ouviu falar de alguém assassinar ou roubar outra pessoa sob efeito de maconha? Certamente que não, porque o efeito da droga é relaxante. Você já ouviu falar o mesmo sobre LSD? Também não, porque é uma droga alucinógena. Não estou dizendo que essas drogas não sejam prejudiciais! Dependendo da onda, o LSD pode fazer com que a pessoa se suicide ou então fique catatônica (ela nunca mais volta da viagem), e a maconha faz com que a pessoa fique retardada e - surpresa - esquizofrênica!

Daí voltemos ao caso: o Cadu é um cara com família problemática: o pai mora em Goiânia, a mãe é esquizofrênia, ele morava com os avós e já era um Zé Droguinha. Daí, seja como um viciado procurando ajuda, seja por curiosidade junkie, procurou o Santo Daime. Está aí a grande lição para todo o povo ligado ao Daime: como é uma "substância que altera o estado normal de consciência da pessoa" (eufemismo para droga), a pessoa que entrará para o ritual deve ter seu histórico de vida analisado para ver se ela pode usar ou não. Se o Cadu tivesse falado da sua mãe esquizofrênica e do seu uso costumaz de drogas, deviam acender a luz vermelha. Como essa coisa de seita é algo semi-amador, ele entrou, o Daime catalizou todas os estragos que as outras drogas fizeram no em seu cérebro (o termo "jogar gasolina num incêndio" usado pela Veja, nesse caso, é perfeito) e deu no que deu.

"Mas e por quê você está contra a reportagem da Veja?". Bem, em vez de fazer uma reportagem técnica, séria, alertando sobre os efeitos das drogas, abraçou a versão do pai e culpou o Daime por tudo!

1) Ignorou o fato que ele era um junkie - o que foi confirmado pelo próprio Cadu desde o dia 17 de março (quarta-feira) - E QUAIS FORAM OS EFEITOS DE TODO ESSE HISTÓRICO DE USO DE DROGAS NA CONTRIBUIÇÃO DA ESQUIZOFRENIA DELE.

2) Falou de modo en passant sobre o fato dele ser usuário costumaz de maconha, droga que COMPROVADAMENTE POTENCIALIZA A ESQUIZOFRENIA (que já era latente nele pelo fato de ter mãe e tia-avó esquizofrênicas), além de ter OMITIDO isso de forma criminosa na reportagem;

3) Não fez a associação ÓBVIA da incapacidade do Cadu em concluir alguma faculdade na vida com o uso (pelo menos) de maconha;

4) Não atentou para o fato de que o pai do Cadu foi um tremendo de um CAGÃO, tendo várias oportunidades para internar o filho e ter voltado atrás; em suma, auto-enganou-se ("ah, eu não queria repetir a história da mãe dele..."). Além disso, fechou os olhos para o perigo da relação maconha = esquizofrenia (o link da reportagem do Terra é de 2007, não sei se notaram);

5) Tentou melindrar com os seguidores do Daime, falando que tem um objetivo louvável e tal, mas se entregou no seguinte trecho: "No Brasil, em 1992, graças a uma campanha liderada por 'ayahuasqueiros', o Conselho Federal de Entorpecentes liberou o consumo do chá daimista 'para fins religiosos'. Foi o primeiro de uma sucessão de erros que culminou com a consagração do chá como "bebida sagrada", título concedido à substância alucinógena pelo estado brasileiro em janeiro passado." Concluindo pelas aspas da Veja, todos os daimistas vão lá tão-somente para ter um barato, e que esse "para fins religiosos" é só para disfarçar o real sentido do uso. Se isso não é ofender a memória do Glauco e do Raoni, não sei mais o que é ofensa.

6) A "maldade do último parágrafo", recurso já usual da Veja para contribuir para seu ponto de vista: como quem não quer nada, reduziu os seguidores do Daime a maconheiros aproveitadores.

Em suma, um crime com origem e circunstâncias bastante complexas foi reduzido a "Daime cataliza esquizofrenia e ocasiona um duplo homicído". Lembrou muito o caso do atirador do Morumbi Shopping: "estudante de medicina viciado em Duke Nukem e influenciado pelo 'Clube da Luta' entra com uma submetralhadora e mata três". Esse é meu MOTIVO ANUAL PARA ODIAR A VEJA.

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