domingo, agosto 03, 2008

Zé do Caixão (Ou: Que procura por Demônios encontra Possessos)

Ontem tive uma experiência arrebatadora: na casa de um amigo meu, que há mais de ano não via, assistimos "À Meia-Noite Levarei sua Alma", do Zé do Caixão. A minha opinião é essa: trata-se de um dos melhores filmes mais densos que eu já vi.

"À Meia-Noite...", apesar da fama que Zé do Caixão possui (bastante cultivada por ele, é claro, mas não seria possível sobreviver de outra maneira nesse Brasil varonil), não é um filme trash! Basicamente o enredo é o seguinte: um dono de funerária psicopata (Zé - quem ver o filme perceberá que não daria para ele ter uma vida daquelas se fosse apenas coveiro), casado com uma mulher estéril, interessa-se pela namorada do único amigo que possui na sua cidade para ter um filho com ela - com a famosa frase: "O que há além da vida não é o espírito, mas o sangue!". Depois de uma série de crimes, o Além resolve acertar as contas com ele (não vou entrar em detalhes - baixem a porra do filme [já que é praticamente impossível encontrar o DVD pra vender]!!!).

Dito isso parece um enredo de terror banal, não? Pois é, não entrei no detalhe da personalidade do Zé do Caixão: ele é um sádico, psicopata e megalômano até a medula. A maneira com que encara a vida, apesar do amor que possui em relação às criancinhas, é doentia. Um niilista que, como tal, se vê - e se comporta - acima dos habitantes da fictícia cidade de interior onde vive. Poderia resumir-lo como um macho-alfa desvairado que não sabe lidar com mulheres.

O Mojica Marins inspirou-se em algumas típicas supertições brasileiras, que hoje só servem como referência histórica (cito aqui o costume de não comer carne na Semana Santa - alguém conhece pessoas que ainda evitam carne nessa época?), mas seu personagem é atemporal. Ele pode não saber, mas é a encarnação horripilante tupiniquim do Nikolai Stavrogin, de Dostoyevsky. Aliás, "À Meia Noite..." tem lá sua semelhança com "Os Possessos": ambas passam-se numa cidade de interior sem nome onde há uma idéia de destruição. Porém não há a tentativa de implementar-se uma "ideologia superiora" na sociedade, e por isso o Zé não seria o Pyotr Verkhovensky ou mesmo o Kirilov.

Sim, acredito que tenha sido uma análise pseudo-intelecutal essa. Mas se esse esforço fizer com que vocês vejam o filme para que me desmintam, que cheguem à conclusão de que sou um idiota, então o esforço valerá a pena. Porque o Zé é um cineasta de mão cheia, e um ótimo observador da psiquê humana. Não seria de outra maneira para uma pessoa que nunca conseguiu rir de um filme do Chaplin por encontrar apenas tristeza nos olhos do Carlitos (vejam "Tempos Modernos" e comprovem por si sós)

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