domingo, junho 04, 2006

Crônicas da Copa - Prólogo: o filho do Moacir

Pretendo aqui escrever um conto após todas as partidas do Brasil e de outra que me der na veneta. Aqui vai a primeira, contando uma tarde na vida do Moacir, garçom, marido e pai.

"Prólogo: Brasil 4 – Nova Zelândia 0

Domingo típico de inverno em Brasília: sol e um ventinho normal pra gelado. Moacir viu toda a última partida da Seleção antes da Copa em sua casa, na companhia de seu filho caçula João Henrique, de apenas 6 anos. Enquanto o moleque comemorava os gols do Brasil – manifestando uma preferência por Kaká – Moacir parecia decepcionado com o Ronaldinho Gaúcho, que não demonstrou nenhuma genialidade, mais uma vez. Mas estava preocupado mesmo era com o seu Botafogo, que faria com o Santos a última partida antes do recesso pela Copa e buscava a vitória para sair da Zona do Rebaixamento.

A partida acabou, a Seleção ganhou de 4 a 0, gols de Ronaldinho, Adriano, Kaká e Juninho. Nisso a esposa do Moacir, Júlia, mais uma vez insistiu com o marido:

- E agora, você faria o favor de ir comprar os malditos ovos?

- Mas hoje é domingo, amor! – respondeu um contrariado Moacir.

-É domingo sim, mas era pra você ter comprado isso ontem, e por preguiça não foi! – retrucou indignada a Júlia.

- Claro que não fui! Você não sabe como foi complicado o serviço ontem no buffet!

- E eu não quero nem saber! Esse bolo era pra estar pronto hoje de manhã, mas você fica posando de gostoso, falando que com a gorjeta dá pra sobrevivermos até o fim do mês, mas não dá porra nenhuma! Eu tenho que entregar esse bolo pro casamento da Jacira até amanhã ao meio dia, e se você não comprar essa maldita dúzia de ovos agora... Se vire pra conseguir!

- Ai, ai... já vou então – aceitou resignado Moacir, sabendo que aquela ameaça dela significava dormir no sofá essa noite – Vamos então, João?

E lá foram pai e filho para o Fiat 147 e saíram para o supermercado mais próximo. No trajeto, o pai foi puxando conversa:

- Diz aê, filho, quanto é que vai ser contra a Croácia?

- Ah, a gente vai ganhar de 10 a 0! – Respondeu o João Henrique.

- É mesmo? – Rindo-se Moacir – E quem vai fazer os gols?

- Hum... o Ronaldinho Gaúcho, o Kaká, o Ronaldinho, o Robinho, o Adriano... e só.

- Mas aí vão ser só 5 gols, filho! Quem vai fazer os outros cinco? – Respondeu já perguntando Moacir, querendo indiretamente fazer com que o filho já tenha noções de matemática.

- Ah, o Ronaldinho Gaúcho vai fazer dois e o Kaká outros dois.

- Mas aí são nove... quem vai liquidar a partida?

- Hum... aquele Juninho! – Falou na lata o João, que nunca tinha ouvido falar dele antes.

-Ah, bom... Mas então, filho, qual jogador você mais gosta? – Perguntou um Moacir querendo se relacionar mais com o filho, já que convivia muito pouco com ele.

- Ah, do Kaká! Ele é bonito...

Moacir olhou desconfiado para o filho, mas achou que escutara errado, que o filho queria dizer que ele “jogava bonito”. Daí perguntou como não esperava uma resposta diferente:

- Bonito? Como assim? – E para tentar induzir a resposta para algo agradável – Você quis dizer que ele joga bonito, né?

- Também... Pai, ele é tão branco...

Foi a senha para um descontrole do pai, que passou a berrar com o filho:

- Filho! Como você diz uma coisa dessas!? Isso é muito feio! Isso não é de Deus!

Você não tem que achar homens bonitos, você tem que achar mulher bonita!

- Mas o senhor... – murmurou assustado João Henrique – o senhor vê futebol por quê?

- Porque o jogo é bonito! O jogo! Não os jogadores...

E continuou:

- Olha, João, quando chegarmos em casa vamos falar com sua mãe sobre isso. Eu quero que você nunca mais pense em falar que qualquer homem é bonito, porque isso é errado! Tira isso de sua cabeça?

- Mas papai, você sempre me fala que eu sou bonito...

- Sim, mas você é meu filho! E isso não tem problema algum! É normal os pais acharem os filhos bonitos! Também é normal os filhos acharem os pais bonitos. Você também se pode achar uma pessoa bonita. Aliás, você é uma pessoa bonita, se convença disso, ok? Apenas por favor não ache outros homens bonitos! Só você mesmo e eu!

- Ta legal... – respondeu um choramingüante João.

- Se bem que pode me achar feio, eu não ligo! - Brincou o Moacir para mudar o clima, o que consegue.

Lembrou-se de um primo, o Sílvio, que saíra do armário quando o João tinha dois anos. Passou o dia todo preocupado com esse assunto, olhando para si mesmo e imaginando seu sangue poluído com alguma coisa que poderia transformar seus filhos em viados. No final do dia, o Botafogo empataria com o Santos, ficando na zona do rebaixamento por toda a Copa, acabando com o resto do dia do Moacir e o deixando sem ânimo para o batente segunda."

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