segunda-feira, abril 01, 2019

Bolsonaro, 100 dias - Seja dividido, seja conquistado

Com 90 dias do governo Bolsonaro, já está claro que está havendo uma divisão entre os principais grupos de apoio ao presidente: os liberais, os conservadores e os militares.

Desses, os liberais são os mais discretos. Tendo como ícone máximo o Paulo Guedes, estão tendo como principal foco a reforma da previdência. O outro grande foco, as privatizações, aparentemente foi deixado de lado por enquanto, seja pela dificuldade intrínseca da reforma, seja pela idiotice do Bolsonaro e dos militares sobre os malfadados "setores estratégicos" (o engraçado é que não existe nada mais estratégico que água e comida, e rigorosamente ninguém é louco de propor um monopólio estatal na produção dessas commodities...). Obviamente os liberais adorariam que o Bolsonaro se dedicasse mais à reforma da previdência, que não tivesse cedido ao corporativismo militar (lembrando que o Bolsonaro pré-PT era essencialmente um deputado classista) e, sobretudo, que não houvesse esse bando de conservadores boquirrotos querendo inventar moda. E se você acha que liberal e conservador é tudo a mesma coisa, você precisa estudar a política ocidental (Brasil inclusive) do Século XIX. Felizmente essa briga de liberais e conservadores ainda não chegou no Paulo Guedes, que é esperto o bastante para reconhecer que sem estes a pasta da economia estaria com alguém mais ligado à social-democracia.

Por sua vez, os militares, por mais que não professem conscientemente o positivismo, comportam-se como positivistas. Grosso modo, os positivistas foram "isentões" que se achavam superiores às correntes partidárias, eram focados na tecnocracia e, acima de tudo, achavam essa coisa de religião, já  na segunda metade do Século XIX algo muito démodé. Em outras palavras: já não gostavam de conservadores. Isso está evidente no governo Bolsonaro principalmente na confusão dentro do Ministério da Educação, mas também na (não há como dizer outra palavra) afronta que o Mourão fez quando defendeu a legalização do aborto, criticou a saída da Ilona Szabó do  Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e achou bacana os civis venezuelanos não estarem armados para poderem se defender da ditadura do Maduro. Sobretudo após a primeira declaração (sobre o aborto), o cisma é insanável e só tende a piorar, como pode ser visto na troca de farpas entre os militares e o Olavo de Carvalho (justiça seja feita: no caso do Santos Cruz o filósofo foi atacado gratuitamente).

Finalmente, os conservadores. E aqui há indícios de outro cisma, entre os evangélicos e os olavetes, que foi iniciado com a crise de ciúmes do Malafaia quando o Bolsonaro reconheceu que sem o Olavo não teria chegado à presidência. Para isso, o Malafaia aparentemente passou a ser subsidiado por um conhecido desafeto do Olavo (antes habitué do Mídia Sem Máscara), o Júlio Severo. Quanto aos olavetes, eles aparentemente seriam o (sub-)grupo mais fraco, mas eles contam com dois trunfos: 1) são, ao lado dos liberais, o grupo intelectualmente mais preparado; e 2) o Olavo até a presente data é o único que mantém uma fidelidade canina não só ao presidente, mas à família Bolsonaro (falando nisso: o Eduardo - que, na minha humilde opinião o melhor dos filhos - é aluno do COF). Imagine-se sendo o Jair Bolsonaro, tendo que ouvir toda hora alguém criticando seus filhos por fazerem besteira, e ver que há pessoas defendendo sua prole? Sendo que esse alguém tinha certeza absoluta que você iria estar na presidência enquanto ninguém acreditava seriamente nisso? Além disso, o Bolsonaro é um cripto-evangélico (sobretudo após o atentado), e está afinadíssimo com a agenda conservadora - não sei se ele ainda mantém aquela divergência em relação ao controle de natalidade.

Resumo da ópera:

- Os liberais queriam muito governar sozinhos, mas reconhecem que sem os conservadores não estariam ali, e que os militares seriam muito melhores se não fossem tão corporativistas.

- Os militares reconhecem que os liberais são excelentes na economia, mas querem garantir o seu e se livrar desse bando de gente primitiva que ainda acredita em religião.

- Os conservadores ainda não sabem que precisam acabar com a essência do "Ordem e Progresso" e por enquanto estão tranquilos com os liberais - desde que não saiam do seu quadrado econômico.

- Olavo terá razão.

- O Congresso quer arrancar o couro do Executivo, e os deputados do PSL são um bando de cabaços que votam sem saber no quê.

- O Judiciário é a nova aristocracia absolutista: fazem o que querem, quando querem, e ainda perseguem quem acha ruim. Para não falar no estado de negação em que se encontram ao dizer que são bots quem os estão maldizendo.

Nenhum comentário: